Não vou falar sobre o melancólico empate em 0 a 0 frente ao Tondela, em um Estádio da Luz sem público e sem vibração devido à pandemia de Covid-19, que já fez mais de 395 mil famílias chorarem ao redor do mundo. Não vou falar sobre a atuação deprimente dos Encarnados, sem criatividade frente à postura defensiva da equipe visitante. Não vou falar sobre o péssimo retrospecto de uma vitória nos últimos nove jogos. Não vou falar sobre a disputa pelo título, onde Benfica e Porto, hoje iguais na pontuação (60), parecem implorar para entregar a taça ao rival. O que aconteceu durante os 90 minutos é pequeno diante do que se sucedeu fora das quatro linhas. No caminho de volta ao Centro de Treinamentos, o ônibus das Águias foi apedrejado. O volante alemão Julian Weigl e o meio-campista sérvio Andrija Zivkovic ficaram feridos e foram imediatamente encaminhados ao Hospital da Luz.
O atentado, como era de se esperar, foi amplamente repercutido por veículos de comunicação em Portugal e no planeta. Em nota oficial, o clube pediu às autoridades para que os autores do apedrejamento sejam identificados e punidos de acordo com o rigor da lei. Por sua vez, a Liga Portuguesa de Futebol definiu o fato como "um ataque covarde" e expressou "profundo lamento e repúdio". Mais tarde, no Twitter, a Benfica Stuff noticiou que as casas do técnico Bruno Lage e dos meio-campistas Pizzi e Rafa Silva foram alvos de pichações, cujas mensagens mostraram ameaças e xingamentos. Posteriormente, ao repudiar os atos em comunicado, o presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, acrescentou que a residência do lateral-esquerdo Alejandro Grimaldo também foi atacada.
Essas notícias, verdadeiras derrotas morais, são mais dolorosas do que qualquer derrota em campo. Vimos o nome do SLB, que acolhe gente de todas as nacionalidades, etnias e classes sociais desde a fundação, ser associado à violência, à intolerância e ao desrespeito. E notamos que o buraco é muito mais embaixo quando vários torcedores de outros clubes se aproveitam de uma barbárie para espalhar o antibenfiquismo, em vez de repudiar os atos criminosos e se solidarizar com um grupo de profissionais e com os verdadeiros benfiquistas, que lamentam o ocorrido. À parte dos títulos da Seleção de Portugal na Euro 2016 e na Liga das Nações 2018-2019 e dos talentos revelados nas categorias de base, o futebol doméstico perde prestígio com esses comportamentos lamentáveis e com as campanhas ruins dos clubes locais nas competições continentais.
"Gostaríamos de informar que nós dois estamos bem, mas esses comportamentos são injustificáveis. No entanto, garantimos que continuaremos a lutar pelo Benfica e a dar tudo! Muito obrigado por todos os votos de recuperação e pelo grande apoio!", escreveu Zivkovic em sua conta no Instagram. Revelado pelo Partizán em 2013, o meia defende o Clube da Luz desde 2016, após conquistar a Copa do Mundo Sub-20 2015, a serviço da seleção da Sérvia, e a Superliga da Sérvia 2014-2015, com o clube onde se profissionalizou. De águia ao peito, foi campeão nacional, em 2016-2017 e 2018-2019, e da Taça de Portugal, em 2016-2017.
"Olá a todos, eu só quero que saibam que estou bem. Tivemos muita sorte! Estamos todos cometendo erros, mas ultrapassaram-se limites. Sei que os verdadeiros torcedores do Benfica não são assim", publicou Weigl, também no Instagram. Formado no Munique 1860 em 2013, campeão da Copa da Alemanha (2016-2017) e da Supercopa da Alemanha (2019) pelo Borussia Dortmund e contratado pelo Maior de Portugal em 2020, o jogador também esteve no atentado contra o ônibus do BVB, em abril de 2017. Na ocasião, o veículo foi atacado por três bombas artesanais antes do jogo de ida das quartas de final da Liga dos Campeões da Europa, em casa, contra o Mônaco.
Ninguém está satisfeito com o rendimento dos comandados de Bruno Lage nesta segunda metade da temporada, é óbvio... Mas absolutamente nada justifica tamanhas atitudes, as quais não condizem com os valores de uma equipe tão querida em Portugal e nos cinco continentes. É incompreensível a mentalidade de quem acredita que os jogadores vão se sentir mais motivados depois de serem atacados, de terem vidros nos olhos, de ficarem em estado de choque e/ou de verem palavras intimidadoras escritas nas portas de suas casas. Independentemente do resultado final de 2019-2020, uma triste certeza temos: todos nós já perdemos.
Foto: Divulgação/Twitter (via @maisfutebol)
Comments