Vem o título do texto a propósito das prestações europeias do Benfica e da discussão que o tema gera, invariavelmente.
Diz-se, à saciedade, que é impossível que o Benfica compita com os grandes orçamentos dos clubes de maior nomeada europeia. E que o Benfica não pode ter um plantel de melhor qualidade porque os jogadores que poderiam acrescentar qualidade custam demasiado dinheiro – sendo o corolário deste argumento o termos de nos resignar ao talento que o Seixal vem produzindo. Vai-se mais longe e diz-se que, mesmo que houvesse capacidade para atrair esses jogadores, eles jamais quereriam representar o nosso clube, por questões de visibilidade e falta de qualidade da liga.
Com estes exemplos não quero desmerecer (bem pelo contrário) a aposta na formação, que é necessária e fundamental para o futuro e sustentabilidade do Benfica. Pretendo apenas frisar que, quando uma “aposta” deixa de o ser e se transforma em obsessão, ela passa a ser, obviamente, nociva para os superiores interesses do clube.
Em plena BTV, José Marinho afirmava mesmo mesmo a sua perplexidade, por não entender a origem de uma, para si, súbita “exigência” dos adeptos de prestações europeias melhores, esquecendo, por um lado, a história centenária do clube e ignorando, por outro, as sucessivas promessas que, amiúde, nos são feitas de um Benfica relevante na alta roda do futebol.
Dizem-nos: o “Benfica Europeu” é uma utopia. Utopia que só poderá deixar de o ser se seguirmos e validarmos um projecto de concretização eventual e adiado sine die, assente na retenção de talento e pouco (cada vez menos) investimento.
Digo-vos: o “Benfica Europeu” é possível.
E não o digo por ser “exigente”. Digo-o por não me conformar com a ideia de um Benfica “coitadinho”, que se vitimiza em vez de pontapear a letargia, que chora sobre a sua alegada pequenez ao invés de se querer agigantar e ter a ambição de chegar mais perto (futebolisticamente falando) daqueles entre os quais a sua história e a sua dimensão social sempre o colocaram. É preciso, então, reflectir sobre aquilo que se vê em campo mas, acima de tudo, sobre as decisões que são tomadas, os objectivos que são anunciados e se aquelas levarão à concretização destes últimos.
Dizem-nos que o “Benfica Europeu” será made in Seixal e que a estratégia passa por reter talento. Já esta época, vendemos o jogador mais talentoso saído das nossas escolas desde Bernardo Silva. Para justificar esta venda, disseram-nos que o clube comprador bateu o valor da cláusula de rescisão e que o jogador iria receber muito mais dinheiro do que aquele que o Benfica poderia pagar.
[Pergunto: não será isso que irá acontecer sempre que formarmos um Félix ou um Bernardo? Parece-me evidente que a estratégia que o Benfica tem não irá resolver o défice que temos relativamente a mercados com maior poder económico e que terão sempre clubes com capacidade financeira para bater cláusulas e para seduzir jogadores com contratos milionários.]
Ora, vendido João Félix – uma operação que não se coaduna com a estratégia de retenção de talento anunciada – com mais de 100M€ net no banco e com, parafraseando o Presidente na última AG, “as melhores contas de sempre” (sem contabilizar esse valor!!), seria de esperar que os responsáveis do clube dotassem o plantel dos reforços de que a equipa precisava – precisa – para subir um patamar de qualidade – chamemos-lhes “cirúrgicos”.
E é aqui que entra a narrativa falaciosa do “coitadinho”, que mais não passa do que de uma desculpa para uma injustificável inoperância do Benfica no mercado para dar ao treinador aquilo que o próprio dizia – e, agora, diz – necessitar para elevar o nível das prestações europeias do clube.
Julgo estar à vista de todos que, na próxima época, entre Gedson, Rúben Dias e Florentino, pelo menos um estará de saída. O que fará o Benfica?
Dizia Bruno Lage, em entrevista no Seixal, no início da época, dando o exemplo de Rúben Dias e Ferro, que os jogadores vindos da formação teriam que fazer muitos jogos na equipa B antes de estarem preparados para integrar a equipa principal. Hoje, o plantel do Benfica apresenta duas alternativas aos laterais titulares que pouco (ou mesmo nada!) jogaram na equipa B. Não pretendo discutir se seria ou não seria a alternativa indicada para reforçar a equipa mas, neste defeso, Matteo Darmian, lateral internacional italiano do Manchester United, assinou a custo zero pelo Parma.
Dizia, também, Bruno Lage, já na época passada, que o plantel não tinha outro jogador com as características de Gabriel. Resultado: não houve reforço nessa posição e promoveu-se David Tavares, mais um que mal tinha passado pela equipa B, mas que o Presidente dizia (talvez ainda diga) que “vai rebentar” – mesmo sem entender que no modelo de jogo do treinador não cabe um atleta com desse perfil (veja-se o que está a acontecer ao Gedson), mas isso são assuntos para outro dia. Num defeso em que, sem querer discutir se seria o jogador ideal para reforçar a equipa, Gerson, que brilha alto no Flamengo, foi transferido (dispensado) da Roma por 12.5M€. Inatingível para o Benfica, como se vê.
Com estes exemplos não quero desmerecer (bem pelo contrário) a aposta na formação, que é necessária e fundamental para o futuro e sustentabilidade do Benfica. Pretendo apenas frisar que, quando uma “aposta” deixa de o ser e se transforma em obsessão, ela passa a ser, obviamente, nociva para os superiores interesses do clube. O Benfica tem de ter presente que, quanto piores forem as suas prestações europeias, mais dificuldade terá em manter os seus talentos e mais dificuldade terá em atrair jogadores de qualidade no mercado global. A aposta no Seixal deve ser, sempre, temperada com investimento sério e rigoroso, em experiência e qualidade, sob pena de perdermos gradualmente qualidade no plantel (o que já se verifica).
Julgo estar à vista de todos que, na próxima época, entre Gedson, Rúben Dias e Florentino, pelo menos um estará de saída. O que fará o Benfica? Promover Morato, David Tavares e Rafael Brito e perder, uma vez mais qualidade imediata por um futuro que, quando chegar, é para vender? Ou iremos recuperar uma política de recrutamento e scouting – menos alicerçada em parcerias e mais em conhecimento do jogo – e reforçar a equipa convenientemente para que a qualidade do plantel suba alguns furos?
Ganhar tudo internamente e construir plantéis (apenas) com esse objectivo não é suficiente, pois tal não só não corresponde à dignidade que a história do clube merece como rapidamente nos irá transformar num daqueles clubes do Chipre, Cazaquistão ou países nórdicos que, sempre que nos calhavam em sorte, víamos como garantia de “se correr mal, pelo menos é certo que vamos à Liga Europa”. E também contribui, reflexamente, para alimentar a narrativa do “coitadinho” do Benfica que joga neste campeonato de pouca qualidade: quanto piores as prestações europeias, menor o número de pontos, menor o número de equipas portuguesas na Liga dos Campeões, mais reduzido o montante que entra anualmente nos cofres dos clubes portugueses, piores os excedentários colocados nas equipas de menor dimensão, etc, etc.
Dizia Bagão Félix, um dia destes, num programa cujo nome não me recordo n’ A Bola TV, com toda a propriedade, que um plantel construído para a Liga dos Campeões garante a qualidade suficiente para ser dominador do campeonato, ao passo que o inverso pode não ser verdadeiro.
Está na altura de o Benfica sair deste círculo vicioso. O Benfica europeu não pode nem tem de ser isto.
O inconformado,
Pedro Santiago
▶ Texto enviado pelo benfiquista Pedro Santiago
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