Nunca conheci outro Clube. Na minha casa não havia espaço para escolhas. Nascemos com o Benfica na pele, na alma, na ponta da língua, nascemos a ser [do] Benfica, a nem querer ouvir falar de «se mudares para o Sporting, o tio dá-te uma nota, ou compra-te uma bicicleta!». Por mim, podiam pôr a nota, a bicicleta, os Pinypons e as Barbies naquele sítio. Ser Benfica não é, nunca foi nem nunca será negociável.
Durante muitos anos, o Benfica via-se no café do Sr. Júlio e, depois, no café do Matos. Em dia de jogo, o meu pai olhava-nos e pegava na carteira. Saímos de casa os três, o meu pai, eu e o meu irmão, seguíamos rua acima e ficávamos sentados a comer amendoins e sugus, até que começasse o jogo. Ali, eu era sempre a única miúda. E o meu pai sentia orgulho nisso. Eu sei que sentia! E eu gostava, caraças! Sentada, irrequieta, mal chegava com os pés ao chão, mas gostava de refilar com os vizinhos sportinguistas, portistas e estorilistas, os mesmos que me picavam sempre que o Benfica perdia, só para verem a pequenita a perder as estribeiras. E fui crescendo a dobrar religiosamente o cachecol e a camisola falsa depois de cada jogo visto à mesa do café. Fui crescendo a sonhar com o dia em que entraria pela primeira vez no Estádio. E o meu pai sempre foi adiando, tal era o pânico de conduzir em «Lisboa».
14 de maio de 1994. Eu tinha 13 anos. Nesse dia, sei lá porquê, porque eu só faço anos em dezembro, o meu irmão ofereceu-me uma camisola do JVP -- mas não era uma camisola com João Pinto escrito nas costas. Não! Era uma camisola com um 8 nas costas, mas a maior piroseira da história do futebol e do desporto em geral: tinha estampada na frente a cara do JVP. A cara, em grande, enorme, gigante, colossal, para combinar com os pósteres colados no quarto, os postais colecionados, os recortes nos cadernos de capa preta e nos dossiers. Foi a loucura! Naquele dia, exibi a minha nova camisola orgulhosamente, fazendo ouvidos de mercador a cada gozo ou boca -- e foram muitos. E foi no café do Matos que vi o Benfica espetar 6 ao Sporting, e chorei como um bebé. Soube-me tão bem fazer a ridícula dança da vitória no final do jogo, soube-me tão bem ver o JVP a espalhar magia naquele relvado, por aquelas bancadas e no coração de milhões, soube-me tão bem ganhar. G-A-N-H-A-R! Assisti a cada lance com aquela camada de nervos que me caracteriza e fiquei tão feliz por não ter de engolir o meu mau perder, mas antes poder sair do café de peito inchado e com a vitória escarrapachada na testa e no sorriso.
Essa vitória marcou-me. Esse dia marcou-me. Foi uma espécie de ponto de viragem. Ganhámos esse campeonato e, na época seguinte, comecei a ir ao Estádio com o meu irmão, os meus primos e os meus vizinhos. Juntávamos tampas, em passatempos da Fanta e da Coca-cola, para podermos trocar por bilhetes, apanhávamos o comboio na Parede, chegávamos horas e horas mais cedo às bilheteiras do estádio, fazíamos turnos para não perdermos o lugar e entrávamos orgulhosos com os bilhetes conquistados na mão. Nenhum de nós era sócio. Nenhuma das nossas famílias podia gastar esse dinheiro. Mas nós não desistíamos. E jornada após jornada, lá íamos em bando sempre que podíamos.
Hoje, não troco o Benfica por nada.
Estou sempre lá. Organizo o meu tempo e a minha vida para poder estar na Luz, com a equipa, com os meus amigos. E não abdico. Grito, esperneio, choro, roo as unhas e as peles dos dedos, salto, bato palmas, assobio, canto. Reclamo com as decisões do treinador, com as substituições que não se entendem, com as manias e as trocas. Refilo quando os jogadores não acreditam, quando desistem das jogadas, quando não se fazem aos lances, quando não falam uns com os outros, quando se atropelam, quando nos fazem acreditar e depois morremos na praia. Passo-me com os sócios que não cantam, que não apoiam, que ficam sentadinhos e até pedem umas pipoquinhas, que só se entusiasmam quando marcamos e ganhamos, que fazem piretes aos nossos jogadores quando perdemos e, depois, até por acaso, são os primeiros a sair mais cedo do estádio porque não querem apanhar trânsito na 2.ª Circular.
Hoje, não troco o Benfica por nada. Não troco, não trocarei. Na História do Benfica cabe a minha própria história. E, no fim de contas, seja qual for o resultado, é sempre muito, muito mais o que ganho do que aquilo que alguma vez poderei perder.
▶ Texto enviado pela benfiquista Susana Paiva.
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