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Foto do escritorJoão Tibério

Futebol, uma armadilha redonda




Do sonho de menino ao inferno em crescido, o futebol é tantas vezes um angustiante purgatório. É a bola que não entra, o tempo que voa, a lesão que rasga sonhos, tudo à distância de um acaso. O futebol é o jogo dos jogos porque a sorte e o azar não existem, mas estão sempre lá.


Crescemos a querer ser o próximo Eusébio, Chalana, João Vieira Pinto, Simão ou Jonas. Queríamos a bola nos pés, os aplausos nos ouvidos e a camisola vermelha esvoaçante na capa do jornal do dia seguinte. “Benfica na final com um golo de levantar o estádio.” “Pontapé na crise.” “Ainda há heróis na Luz.” Mentalmente, escrevemos as melhores capas de jornal e ficamos bem em todas. Somos o jogador que nasceu, cresceu e que não abandona o clube. Somos o deus com pés de barro e confiança de hélio.


Na realidade, nem todos cresceram com esse sonho. Eu, por exemplo, cedo percebi que as palavras são mais redondas do que a bola e preferi dar toques nas letras. Outros, aprenderam a afinar a garganta e fazem do apoio um espetáculo sem igual. Também temos os que relatam à peladinha do bairro como uma final da Taça dos Campeões Europeus. E temos ainda os que são mesmo fortes a roer as unhas. O futebol é assim, é feito de todos os tipos. E ninguém fica no banco.


Ainda acredito que a bola é Democracia, mesmo que o mundo corinthiano já tenha estado mais perto. Eu, eterno pessimista, ainda acho que é possível um mundo melhor. E é possível a começar na bancada e no relvado. Aprendi muito com os convidados d’O Brinco, com as conversas na curva, com os desabafos na roulotte. Aprendi, porque ouvi. Essa é a grande lição que o futebol tem para dar ao mundo. Ouçam mais. Mesmo que o barulho à tua volta seja ensurdecedor, ouve o colega ao teu lado. Escuta, recebe a bola, vira, temporiza, passa ao próximo. Querem melhor lição de Democracia?


A ideia deste texto era apenas celebrar o poder transformador do sonho das crianças. De como todos partem de lugares diferentes e tão poucos chegam lá. Mesmo sabendo que o sítio onde queremos chegar seja diferente — eu nunca quis marcar o golo da final, mas adoro descrever o bruááá dos mil adeptos que se encavalitam no momento em que a bola se deita com a rede. Futebol sempre foi este mundo de sonho. E sorrio.


Contudo, o mundo também cresce no poder do “mas”. Talvez seja a adversativa mais famosa — e tem razões para isso. “Mas” abre caminho ao outro lado, traz confronto de ideias ou conceitos, embrulha-nos de dúvidas ou fecha-nos nas certezas. Mas. E se o maior destes “mas” for o que está para lá do sonho?





O sonho de um menino da favela não é ouvir um Carreira qualquer, mas ser o tema do grupo de pagode. O objetivo é ser o maior lá da Vila. No mais recente texto do Players Tribune, Adriano, o Imperador, não exorciza os seus fantasmas, antes liberta os nossos. O relato é longo, duro e emotivo. É quase tão brutal como a sua frieza em frente dos guarda-redes. Adriano viveu lá no Olimpo das vedetas e dos heróis do nosso jogo e preferiu abdicar de tudo. Porque a paz existe e está guardada entre duas, três, quatro — ou demasiadas — cervejas, um dominó, um rolé. No fundo, a serenidade está em voltar ao sitio onde sempre ficou a nossa vida. Somos os nossos. 


Vejo o tempo a acabar, tento não perder a bola, mas não consigo resolver este jogo no tempo regulamentar. O sonho de ser parte da história do nosso clube é motivação ou armadilha? “O futebol é o regresso semanal à infância” ou maior engodo dos crescidos? Afinal, o futebol é a nossa salvação ou uma pena perpétua? 

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