Passados 14 anos, a selecção nacional de andebol voltou a marcar presença numa competição internacional na modalidade. E melhor que isso, a equipa realizou uma prestação de alto nível, conseguido a sua melhor prestação sempre, ao terminar o Europeu realizado em Janeiro no sexto lugar.
Mas, mais do que verificar a notória evolução do andebol português nos últimos anos, este último Europeu também deu para verificar um facto inegável: neste momento, o Benfica está vários degraus atrás dos rivais na modalidade. E nesta altura, em que o Benfica continua a sua travessia no deserto, caminhando a passos largos para o 12º ano sem ser campeão na modalidade, questiona-se o que é que falta a esta secção para retornar o caminho do êxito.
Basicamente, falta tudo. Falta um plantel profundo e que esteja a altura das exigências, falta um treinador capaz de implementar novas ideias e métodos de treino e falta um projecto desportivo capaz de alavancar a modalidade para um nível superior.
Para falar do treinador, é preciso recuar três anos atrás, à altura em que Carlos Resende chegou ao Benfica. Quando ele foi anunciado como treinador do Benfica substituindo Mariano Ortega em 2017, para os benfiquistas que acompanham a modalidade foi difícil não ficar optimista quanto ao futuro.
Carlos Resende chegou ao Benfica depois de ter feito um trabalho extraordinário no ABC, onde conquistou 1 campeonato, 2 Taças de Portugal, 1 Supertaça e uma Taça Challenge, tudo isto com um plantel 100% nacional. Chegado ao Benfica, Carlos Resende tinha pretensões de fazer algo idêntico, tendo inclusive chegado a dizer que, se uma certa posição fosse disputada por um jogador português e por um jogador estrangeiro do mesmo nível, iria sempre apostar mais no jogador português.
Com isto, o projecto que ele tinha definido para o Benfica estava bem patente: desenvolver os jovens jogadores portugueses no plantel, adicionando experiência ao mesmo com os jogadores trazidos do ABC; e tentar assegurar as principais promessas nacionais que iam aparecendo nos clubes que não lutavam pelo título
No entanto, este desafio do treinador falhou nas duas frentes. Primeiro, o clube mostrou total incapacidade em atrair as jovens promessas nacionais: Luís Frade e Gonçalo Vieira foram para o Sporting, André Gomes foi para o FC Porto (embora em contornos duvidosos), sendo que Diogo Silva e Martim Costa também irão lá parar mais ano, menos ano.
Segundo, o nível do campeonato nos últimos 4/5 anos aumentou significativamente, devido a um Sporting que começou a fazer investimentos brutais na modalidade, recrutando muitos jogadores de classe mundial; e posteriormente, devido à chegada de Magnus Andersson ao FC Porto. O treinador sueco tem causado um impacto semelhante ao que Aleksander Donner causou quando chegou a Portugal; e o seu trabalho no FC Porto levou nove jogadores azuis e brancos a representar a selecção nacional no Europeu.
Dadas as circunstâncias, o primeiro erro de Carlos Resende quando chegou ao Benfica foi ter pensado que o plantel que tinha à disposição (e que não foi mais reforçado porque não quis) era suficiente para lutar pelo título. E mesmo que a sua ideia para o que fazer com a equipa do Benfica seja muito bonita no papel, a verdade é que a sua teimosia em querer fazer omeletes sem ovos tem saído cara ao clube.
Depois, o seu critério com os atletas estrangeiros tem-se revelado um autêntico disparate. Primeiro, porque limita as possibilidades de aumentar a qualidade e a profundidade do plantel: Segundo, porque diz que só aposta em jogadores estrangeiros que façam a diferença (e mesmo assim segurou o Âles Silva no clube por dois anos), mas já aceita trabalhar com portugueses medianos. Terceiro, porque durante os jogos, dá para perceber que os jogadores portugueses têm mais margem de erro que os estrangeiros. Isto não é valorizar os jogadores portugueses, mas sim acomodá-los. E pior que isso, este tipo de critério pode causar divisões no balneário.
Outra das falhas de Carlos Resende ao serviço do Benfica, é que o seu rótulo de treinador formador não se tem verificado. Um dos motivos que levou Carlos Resende a sobressair como treinador em Braga, foi pela aposta na formação (também fruto das grandes limitações financeiras dos ABC).
Por outro lado, no Benfica, Carlos Resende só coloca miúdos da formação durante 5 ou 10 minutos em jogos em que a equipa esteja a ganhar confortavelmente. Ao contrário do que possa parecer, este contexto não é favorável para lançar miúdos, visto que uma situação de jogo com uma vantagem grande no marcador não promove a competitividade, ainda para mais numa modalidade que prima pela intensidade e pena rapidez de definição e de execução.
Passando para a transição dos jogadores para o treinador, se na primeira temporada de Carlos Resende, o plantel tinha claras limitações (sobretudo na primeira linha) mas praticava um andebol de qualidade, nas épocas seguintes, o plantel foi apetrechado com alguns jogadores estrangeiros de renome (Ristovski, Nyokas, Djordjic, Hansen), mas o desempenho colectivo tem vindo a regredir cada vez mais, o que evidencia o desgaste das ideias de Carlos Resende.
Depois de anos a apostar em jogadores estrangeiros medianos ou com problemas de lesões (casos de Stefan Terzic e Arthur Patrianova), o clube tem vindo aos poucos a apostar em jogadores estrangeiros de maior renome. No entanto, apesar do Benfica ter actualmente o melhor plantel dos últimos anos na modalidade, as mexidas que têm sido feitas ainda são insuficientes face à realidade e às exigências do nosso campeonato.
Apesar de no último Verão, o clube ter contratado jogadores com maior andamento a nível europeu, o plantel ainda não tem profundidade suficiente para estabelecer um ponto de equilíbrio entre a intensidade física e a capacidade de pensar, acelerar e definir o jogo. Numa equipa do Benfica a altura das exigências, jogadores como Pedro Seabra e Belone Moreira seria opções exclusivas no ataque.
Dada a conjuntura actual, o Benfica tem dois caminhos a seguir: ou investe o dobro do que tem investido de modo a construir um plantel capaz de competir com os rivais do imediato, ou reconstrói-se a equipa do zero e reforça-se a equipa com muitos jogadores jovens, construindo uma equipa para o futuro. No entanto, para seguir este segundo caminho, é preciso ter capacidade para segurar os jovens que são revelados nos clubes que não lutam pelo título, algo que o clube não tem mostrado, visto que estes jovens percebem que têm mais possibilidades de ganhar títulos e experiência internacional nos clubes rivais, para além destes pagarem melhor.
Por outro lado, este plantel ainda é curto para ombrear com os rivais. E para conseguir competir com eles no imediato, será necessário apetrechar o plantel com 8/10 jogadores estrangeiros com uma qualidade acima da média, sendo que actualmente, dos estrangeiros que estão no plantel encarnado, Petar Djordjic e René Toft-Hansen são os únicos que me enchem as medidas.
Visto que o clube não consegue segurar as maiores promessas nacionais, uma solução a seguir é ir procurar jovens jogadores ao estrangeiro, nomeadamente em países como a Islândia, Noruega, Suécia, Croácia, Eslovénia e países da antiga URSS, países com selecções cotadas na modalidades, mas cujos campeonatos se encontram actualmente a um nível inferior ao nosso. Outro país no qual o Benfica deveria ir pescar jovens talentos deveria ser o Egipto, que no ano passado se sagrou vice-campeão mundial de sub-19 e ficou em terceiro lugar no mundial de sub-21.
Seguem-se aqui exemplos de alguns jogadores jovens que têm competido na Champions e que mostram a boa capacidade de recrutamento de alguns clubes de topo na modalidade:
- Aleks Vlah - central - 22 anos => transferiu-se do RD Koper para o RK Zagreb
- Zoltán Szita - lateral - 22 anos => transferiu-se do Balatonfuredi para o Wisla Plock
- Omar Yahia - lateral-direito - 22 anos => transferiu-se do Zamalek SC para o Veszprém
- Uladzislau Kulesh - lateral - 23 anos => transferiu-se do SKA Minsk para o Vive Kielce
- Doruk Pehlivan - pivot - 21 anos => transferiu-se do HB Fivers para o Vive Kielce
- Domen Pelko - pivot - 22 anos => transferiu-se do HC Bruck para o RK Vardar
Ter um bom scouting na modalidade é essencial para se implementar um bom projecto desportivo e agora aproveito aqui para falar de dois clubes que estão a competir na Champions e que graças aos seus projectos, são dos clubes em maior ascensão no andebol europeu.
Um desses clubes é a equipa espanhola do CD Bidasoa Irún, um clube que tradicionalmente, lutava pela manutenção na Liga Asobal e que tem tido uma ascensão notável no panorama do andebol espanhol. Sob o comando técnico de Jacobo Cuétara desde a temporada 2016/2017, o CD Bidasoa sagrou-se vice-campeão espanhol na época passada, depois do 11º e do 10º lugar verificados nas duas temporadas anteriores.
Neste temporada, o clube espanhol ocupa actualmente a quarta posição na ASOBAL e qualificou-se para o play-off de acesso aos oitavos-de-final da Champions, ao ser líder do Grupo C à frente do Sporting CP. O plantel é maioritariamente constituído por jogadores desconhecidos da alta roda do andebol europeu, o que demonstra que que a principal força do conjunto de Jacobo Cuétara é o colectivo.
Outra equipa que se tem destacado nesta edição da Champions é o Dínamo Bucareste. A Roménia é uma antiga potência do andebol mundial, mas já há algum tempo que anda afastada das grandes competições. E agora, vai aos poucos dando sinais de querer voltar aos grandes palcos, muito graças ao papel do Dínamo, que tem dominado o campeonato e marca presença na Chmapions desde 2016/2017, época em que defrontou o ABC orientado por Carlos Resende.
Nesta temporada, o clube da capital romena conseguiu qualificar-se pela segunda vez para o play-off de acesso aos oitavos de final da competição, terminando na liderança do Grupo D à frente dos polacos do Wisla Plock, clube com grande andamento nesta competição. O plantel é maioritariamente constituído por jogadores estrangeiros, vários deles oriundos de países com pouca expressão na modalidade, mas com uma qualidade acima da média.
Entre muitos estrangeiros, o plantel do Dínamo conta com três tunisinos, dois iranianos, dois croatas,um bósnio, um sérvio, um brasileiro, um húngaro e um egípcio. Entre as principais figuras, estão o lateral-direito Amine Bannour, o lateral-esquerdo Ante Kuduz e o pivot Mohamed Mamdouh, que já conquistou a Champions ao serviço do Montpellier em 17/18.
É preciso ter a noção de que neste momento, Sporting e FC Porto estão entre as 18 melhores equipas do andebol europeu.e a forma como esta secção tem sido gerida não vai ao encontro de ombrear com os rivais. Portanto, é preciso acordar para a vida e rumar num sentido que nos coloque mais próximos do sucesso.
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