“Aqui não há príncipes nem princesas, aqui é o Benfica do povo que marca." O que é ser do "clube do povo"? Ainda faz sentido dizer isso quando ir ao futebol é caro e o Benfica é, realmente, transversal a segmentações económicas e sociais?
Muito se fala da aparente disparidade entre o ambiente na Luz e nos jogos por essa N1904 fora e, talvez haja algo diferente. Falo por mim, a vantagem de ver o Benfica regularmente é inebriante — em vários sentidos — , e acabamos por desvalorizar o cerimonial de ir ao mais belo estádio do mundo. Atenção, não digo que o prazer seja menor nas bancadas, mas tendemos a perder rituais. E o sentido da vida está muito — demasiado? — assente no papel dos ritos.
Todavia, sinto que há algo ainda mais especial. O jogo no estrangeiro é, cada vez mais, uma viagem a outro mundo. É quase anacrónico. Nestes jogos fora há algo de transcendental. As cores são mais vividas, os sons mais intensos, as emoções mais avassaladoras. E só melhora. Juro.
Sei que sou um privilegiado e já acompanhei o nosso clube algumas vezes, mas uso essa vantagem para evangelizar. E ao fim de 12 jogos, garanto que cada deslocação é uma lição sobre locais, pessoas e afetos. Aprendemos com quem nos acompanha e com quem nos cruzamos, com conhecidos e anónimos. Sobretudo, descobrimos outros mundos.
Da ladainha de quem reza aos impropérios, das unhas roídas ao aparente blasé, do urro gutural ao abraço sentido, cada jogo é uma carrinho de choque de onde não queremos sair. Sentir é bom, viver - ganhando - melhor.
A Mary não foi a Nice e, por isso, houve menos turismo do que nas últimas viagens. Porém, não imagino outro grupo com que fizesse mais sentido estar. Fomos repetentes, estreantes, ensonados, ansiosos, esbanjadores e comedidos, vespertinos e madrugadores. Fomos nós. Simples, como o Benfica permite.
Então, qual o segredo destes aways? Não sei. Enganei-vos. Ou melhor, acho que não há só um e cada pessoa tem que encontrar os seus. É, por isso, que aconselho todos os que gostam de bola a ver um jogo fora. (E até é indiferente do clube.) Neste jogo, guardo a fragilidade que se torna força. O cansaço que esconde energia. O silêncio que guarda palavras. Foi isso em campo, nas bancadas, na viagem.
Juntos, sempre.
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