“O que hoje é verdade, amanhã é mentira” disse Pimenta Machado no final dos anos 1980 e logo a frase entrou para o mundo do futebol e para o imaginário português. A expressão era relativa a um potencial despedimento no Vitória SC, mas pegou porque espelha bem o vórtex temporal que existe no futebol.
Vivemos em círculos — muitas vezes meramente mediáticos —, mas não há volta a dar, o mundo da bola tem o seu próprio tempo. Sentimos cada jogo durante os 90 minutos — mais descontos e tempos mortos —, mas também os dias anteriores à partida e as longas horas depois do apito final. Sofremos com a dissonância entre o que sentimos e pensamos ser a solução perfeita e a proposta de quem realmente escolhe aquele 11 que nos irá representar. Mais do que isso, seja nas redes sociais ou OCS, validamos as opiniões com que concordamos e desprezamos os trastes que não veem o jogo como nós. A bolha até pode parecer pequena, mas é um doce irresistível neste mundo diabético.
“Todos têm direito à sua opinião” é a grande certeza dos nossos tempos, mas poucos são os que gostam de ouvir diferente. Por exemplo, não é difícil imaginar quais serão as reações e respostas se eu escrever que metade dos adeptos do Benfica não percebe nada de futebol e muito menos de gestão. Apesar de ser contra tudo e contra todos, acredito seriamente nesta última ideia, só me falta mesmo transformá-la num facto.
O futebol pode não ser uma ciência exata mas, claramente, não é um jogo aleatório. Por isso, é meio de loucos — olha o eufemismo fofinho — fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Isso é válido para quem lava roupa a temperatura demasiado alta — ou dinheiro em clubes diferentes —, compra polpa de tomate de marca branca pensando que é igual a Guloso ou renova com um treinador sem motivos para isso. Infelizmente num clube não dá para dar ghosting ao treinador que está a fazer quiet quitting. Presidente, se me estás a ler, isto são palavras inglesas para coisas muito chatas. Quase tão chatas como escolher um bom CFO, um diretor desportivo competente ou manter um plantel competitivo.
Ter crescido nos anos 1980 e 1990 permitiu-me conhecer vários icónicos dirigentes de futebol, muitos deles autores das frases mais memoráveis do mundo da bola. Da fina ironia à sagacidade implacável, da agressividade com as palavras à capacidade ímpar de atirar garrafas contra uma janela fechada, os presidentes foram muitos e fizeram história. Só que (in)felizmente, os tempos mudaram e dizer algumas frases fortes já não chega para gerir um clube. E quanto mais rápido percebermos que precisamos de outros dirigentes — tecnicamente preparados para este admirável mundo novo — mais fácil será voltarmos ao lugar que é o nosso, o de campeões.
Contudo, não se pense que vale tudo para ganhar. Também é por aí que os tempos estão diferentes. Hoje, temos compliance nas grandes empresas, mas nem isso devia ser necessário. O meu clube, o Sport Lisboa e Benfica, é de 1904 e os seus valores são a base que nos permitiu manter unidos nos piores momentos. E não há gammer ou bot que me prove o contrário. Ao longo da história passamos por várias crises e todas pareceram mais graves e intensas do que as anteriores e esta não será diferente. Canta-se nas bancadas que mudam os presidentes, os treinadores, os jogadores e nós continuamos cá. Esse “nós” é importante, é mesmo o mais importante, mas também exige muito de cada um de nós porque “de muitos, um”.
A conversa já vai longa e os tempos estão mais para short stories do que para novelas queirosianas, por isso, vamos atalhar caminho: qual o resumo Europa-América? Os tempos mudaram e passam rápido para quem anda e pensa devagar. Presidente, se me estás a ler, o mundo mudou. Já não basta amar o clube, ter emoções à flor da pele, e uma história bonita para contar. Eu não quero estar numa relação tóxica com o Benfica. Eu quero o melhor para o meu clube e, hoje, precisamos de competência e de exigência em todos os cargos. O Sport Lisboa e Benfica só voltará ao seu lugar se tivermos os melhores — quer seja no gabinete, no relvado, no banco, até nas bancadas. É hora de (começar a) fazer Benfica.
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