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Foto do escritorJoão Tibério

Paneirar

São 23h30 e o jogo acabou há quase duas horas Entretanto, dei um jeito na cozinha, que tinha ficado por arrumar em mais um jantar à pressa para ver o jogo; passeei o cão, que esteve a dormir todo o tempo; dei um beijo à minha mulher, que fica tantas vezes para segundo quando o clube joga; e percorri as rede sociais, procurando a resposta que não encontro: onde está a normalidade que todos procuramos?


A normalidade tem de ser ganhar. Falta-nos ganhar. Não, desculpem, falta-nos vibrar. Sinto que o Sport Lisboa e Benfica é hoje uma sombra do que foi e isso acaba por arrastar-nos a todos para esse marasmo. Temos usado várias vezes a expressão "Vietname" para descrever o que estamos a passar, mas diria que nem é tanto pela falta de qualidade dos jogadores ou de resultados, o que custa mais é perceber que nos falta vibrar. Falta-nos viver intensamente.


Peguem no computador, no telemóvel, no tablet, e vejam o que escreviam há uns anos sobre o Benfica em dia de jogo. Vivíamos numa constante ansiedade boa. Tínhamos saudades do jogo que ainda não tinha sido jogado. Gostávamos de ver futebol, de nos juntarmos aos nossos antes e depois do jogo, tínhamos orgulho de gritar Benfica a toda a hora. Erámos uma irritante - para os nossos adversários - onda benfiquista a toda a hora e em todo o lado.


Depois o tempo foi passando e parece que ganhar tornou-se entediante. Estávamos na Champions e o estádio só enchia quando do outro lado estava um nome grande, como se nós não fossemos o nome maior. Na Taça da Liga - que ganhámos tantas vezes e agora parece que nos esquecemos como fazê-lo - o estádio nunca chegava a meia casa nas frias noites de dezembro. E o que dizer da Taça de Portugal? Tantas vezes esquecida pelos adeptos até chegar ao porco no Jamor. O Benfica, clube do povo, tornou-se burguês. Ou melhor, copiámos o pior da estrutura.


Disse isto numa Assembleia Geral do clube e volto a repeti-lo "nenhuma marca enche um estádio só porque as pessoas gostam muito dela. Só se cria ligação quando há emoção." O clube virou SAD, o associativismo virou clientela e o vermelho garrido virou a cor que a Adidas bem entender. Hoje, temos um emblema nas camisolas que muda de ano para ano, que segue modas e tendências e as pessoas no clube esqueceram - ou não sabem - que a única coisa que não sai de moda é a história. E a história do Benfica é repleta de triunfos.


Nos últimos anos tem-se falado mais de justiça do que de resultados e isso não é bom. E talvez seja esse um dos motivos para que estejamos a viver o clube menos intensamente.

Nos últimos anos tem-se falado mais de orçamentos do que de jogadores e isso não é bom. E talvez seja esse um dos motivos para que estejamos a viver o clube menos intensamente.

Nos últimos anos tem-se falado mais de promoções na loja do clube do que das atas das Assembleias Gerais e isso não é bom. E talvez seja esse um dos motivos para que estejamos a viver o clube menos intensamente.

Nos últimos anos sinto que tudo parece uma lengalenga dita e repetida para nos embalar e tornar-nos mais um yes-man - daqueles que pululam na estrutura -, alguém que repete "tudo menos o Vale e Azevedo"; "tudo menos os maus do norte"; "não nos podemos dividir perante os ataques externos"; ou até um risível "é o que é".

Nos últimos anos perdemos a exigência e ser menos exigente (no campo e na direção) é ser menos Benfica.


Eu sei que me podem dizer que é só mais um jogo, que é só mais uma derrota, que havia mil constrangimentos, e eu percebo tudo isso. Só que o Sport Lisboa e Benfica que eu aprendi a amar enchia o campo tanto como a alma e hoje não sinto isso. Não sei se aconteceu antes, durante ou depois das eleições, sei que nos faltam Paneiras em campo, na estrutura, em cada casa. Precisamos de criar o verbo Paneirar. Precisamos de amar mais o clube. Precisamos que não nos afastem do clube. Precisamos de Paneirar já que o clube esqueceu como se Paneira. Talvez se houvesse público nos estádios a coisa fosse diferente, talvez houvesse um grito de revolta. Ou então não, o estádio estaria à mesma a morrer aos poucos como tem sido nos últimos anos, com aquele fogo de artificio reles e um speaker emprestado. Não sei. Não sei. Não sei e tenho cada vez mais dúvidas, mas sei que tenho muito medo que um dia seja tarde demais. Tenho medo que um dia o Paneira e o Benfica sejam pouco mais do que um bonito autocolante que conta uma história linda, a nossa história.


P.S.: fotografia do Aires "To.Colante" Gouveia, claro.

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