Alguns pontos de atraso. Treinador despedido. Dúvidas em relação ao substituto. Entrada em falso na estreia. Estádio ao rubro. Reviravolta fantástica. Não é sobre 2019.
Vagueou por aí a ideia de que em dois dias não era possível mudar coisíssima nenhuma. De que a mera troca de treinador não ia valer de muito. “Estas coisas levam tempo”, diziam. O pior: de que a época do Benfica tinha chegado ao fim. Discordo. De tudo. E o jogo de sábado deu-me razão — vimos uma coisa que pouco teve que ver com antigamente. Creio ter a explicação.
Não foi tudo, mas ajudou qualquer coisa: o efeito "novo treinador". Uma mudança no comando técnico que geralmente provoca a melhoria imediata do desempenho da equipa. Este conceito não é vazio de ciência; é algo mais que uma “fézada”: o novo treinador traz consigo novas táticas, dinâmicas e estratégias que podem revitalizar o grupo de jogadores. Além das componentes técnico-táticas — que pouco ou nada terão mudado com os dois dias de Lage —, alguns jogadores deixam de sentir a comodidade de outrora e são forçados a suar se quiserem um lugar na equipa. Ainda assim, reforço que este efeito não mais é do que uma parte da fórmula.
Vou contar-vos um segredo. A função do treinador não se esgota no treino ou nas suas ações diretas durante o jogo: o modo como se puxa pelos adeptos, como se motiva os jogadores e como se cria uma atmosfera de união entre as duas partes é de uma importância vital. O leitor saberá que um jogador de média-gama, logo que esteja no pico da motivação, pode trazer mais valias do que um jogador de alta craveira que não esteja para se chatear. E que um estádio em ebulição é mais alavancador do que um estádio amorfo.
Neste tópico, meus caros, os dois dias de Lage foram decisivos. Para que até os olhares mais desatentos possam detetar esta diferença, recomendo um exercício retrospectivo - não fosse a ação de viajar pelo passado o melhor método para analisarmos o presente. Foi doloroso, mas fi-lo por vós: vi um homem de mãos nos bolsos, com um inamovível biquinho de pato, pasmado e apático, que nada fazia senão olhar especado para o que se lhe atravessava à frente. Este rebobinar da cassete dá outro sabor à atual postura de Lage: irrequieto, insatisfeito, sugestivo e muito ativo, que se sente em incumprimento se os minutos forem passando e nada fizer. Tudo o mais vem por arrasto: o adepto que passa a festejar um passe, o jogador que vibra ao mínimo corte. A reboque do treinador que não pede “com licença” para erguer os braços e lutar por um redobrar de aplausos.
Trabalho. União. Ambição. Golos. Paixão. Muita paixão. Foram as promessas de Lage. Um tanto tocado ao romantismo, é sobretudo no cumprimento destas máximas que encontro a explicação para as melhorias. Para em tão pouco irmos do oito ao cinquenta - com o oitenta ao virar da esquina. Há não muito tempo, fartava-me de ouvir que a época do Benfica tinha acabado. Estamos a evoluir: já ouço uns “pode ser que até dê”. Oxalá tenham razão. Que se ganhe em Belgrado.
▶ Texto enviado pelo benfiquista Gil Lourenço Ferreira
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