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Foto do escritorLuís Francisco Prates

Por que é absolutamente normal Jorge Jesus trocar o Flamengo pelo Benfica




No Brasil, as mesas redondas dos maiores veículos de comunicação dedicam muitas horas aos clubes das regiões Sul e Sudeste, principalmente do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e poucos minutos aos clubes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Com o futebol internacional não é diferente: fala-se muito sobre as ligas da Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França – ainda assim, com foco maior em um grupo seleto de times: o Big Six inglês, os poderosos Real Madrid e Barcelona, a Juventus de Cristiano Ronaldo, a dupla de Milão, o poderoso Bayern e o PSG de Neymar Júnior, sobretudo –, enquanto as demais têm pouco espaço no noticiário. Portanto, infelizmente, é natural que muitos comunicadores e torcedores daqui encarem com espanto, e até mesmo com desprezo, a mudança de planos do técnico Jorge Jesus, que deixou o Flamengo, clube mais popular do país e atual campeão da América do Sul, e arrumou as malas rumo ao Benfica, que acaba de perder o título da liga portuguesa para o rival Porto e não joga uma final de Liga dos Campeões desde 1990.


Contudo, diferente do que o senso comum imagina ou defende, essa mudança de ares não é nem um pouco absurda. Muito pelo contrário: mesmo com os maus resultados recentes dentro de campo, que são consequências de um planejamento mal executado pela diretoria encabeçada por Luís Filipe Vieira para o ciclo 2019-2020, o Benfica é capaz, sim, de oferecer condições financeiras a ponto de seduzir o treinador do clube mais endinheirado do futebol brasileiro.


Só com a venda do atacante João Félix, revelado nas categorias de base do Glorioso, para o Atlético de Madrid, em julho do ano passado, o SLB faturou 126 milhões de euros, valor que corresponde a mais de 770 milhões de reais na cotação atual. A quantia é quase o dobro da grana recolhida pelo rubro-negro carioca com as vendas dos atacantes Vinícius Júnior (R$ 164 milhões), Reinier (R$ 136 milhões) e Lucas Paquetá (R$ 150 milhões), sendo os dois primeiros para o Real Madrid e o último para o Milan. Os três valores, somados, resultam em 450 milhões de reais. Agradeço ao colega jornalista Vinícius Nóbrega (@_vininobrega), brasileiro e benfiquista igual a mim, por ter divulgado esses dados em sua página no Twitter.


De acordo com o portal independente Blasting News, em matéria publicada no dia 11 de abril deste ano, o Sport Lisboa e Benfica tem o segundo maior número de sócios-torcedores em todo o planeta, com 230 mil associados. A partir daí, conclui-se que a receita gerada por quem participa ativamente do clube também é enorme. No ranking mundial, a agremiação lisboeta é superada apenas pelo Bayern de Munique, que reúne 293 mil sócios. No final de maio, segundo o site esportivo brasileiro Globo Esporte, o Clube de Regatas do Flamengo contava com 100.154 sócios-torcedores ativos. É possível que o quadro de sócios das Águias tenha diminuído durante a pandemia; ainda assim, a disparidade no número de sócios (mais que o dobro!) chama atenção.


O salário para Jorge Jesus e sua comissão técnica será de 8 milhões de euros por ano (quase R$ 50 milhões) no Benfica, em um contrato de três temporadas, adianta o jornal português Record. Ainda segundo o diário, os Encarnados também pagarão a rescisão contratual ao Fla, de R$ 12 milhões. Conforme informações do repórter Rodrigo Ricardo, da Rádio Nacional, JJ faturou cerca de R$ 15 milhões em seu primeiro vínculo com o Flamengo e, após a renovação de contrato assinada com o clube da Gávea no mês passado, deveria receber aproximadamente R$ 23 milhões ao ano. Pelo Mengão, em pouco mais de um ano de trabalho, o lusitano, natural da cidade de Amadora, ergueu os troféus da Copa Libertadores da América, Campeonato Brasileiro, Recopa Sul-Americana, Supercopa do Brasil e Campeonato Carioca – só não foi campeão da Copa do Brasil, quando sucumbiu diante do Athletico Paranaense, nas quartas de final, e do Mundial de Clubes da Fifa, quando foi superado pelo Liverpool na prorrogação da grande final.





Evidentemente, pesaram na decisão do técnico a proximidade com a família em terras lusitanas e a amizade com o presidente Vieira, além da vontade de recuperar o brio da equipe onde ganhou projeção mundial. Pelo Clube do Povo, Jesus conquistou três Campeonatos, uma Taça de Portugal, cinco Taças da Liga e uma Supertaça, superando os três Campeonatos e as seis Taças de Portugal do lendário Otto Glória e alcançando o posto de técnico mais vitorioso da centenária história benfiquista. Possivelmente, os efeitos devastadores da pandemia de Covid-19 no futebol brasileiro, onde o retorno dos Campeonatos Estaduais está sendo feito às pressas mesmo com o crescimento alarmante da curva de infectados por coronavírus no país, também contribuíram para a saída do Mister.


Aonde quero chegar com minha linha de raciocínio? Mesmo à frente dos demais clubes brasileiros nos âmbitos financeiro e administrativo, o Flamengo está suscetível a perder profissionais para clubes estruturados da Europa, independentemente de qual campeonato nacional eles disputem e de como sejam os seus desempenhos a nível continental. Na atual conjuntura do planeta bola, ainda que a Seleção Canarinho seja protagonista a nível global, o Brasil, enquanto país, está na prateleira dos exportadores de talentos, não da elite do esporte – condição reforçada pela mercantilização do futebol.


Também fica a reflexão para a alta cúpula do Maior de Portugal. Os dirigentes estão satisfeitos com os últimos desempenhos do clube nos torneios internacionais? Estão contentes com a imagem trazida para fora da Península Ibérica? Acreditam que têm a mentalidade necessária para trabalhar no clube?


Torçamos para que o retorno de JJ seja um recomeço à altura do que o clube mais vitorioso e mais querido da Terrinha merece. Uma certeza já temos: o Brasil perde, e muito, com a sua saída.


Fotos: Getty Images

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