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Saint Michel

Foto do escritor: C. RebeloC. Rebelo

Atualizado: 24 de fev.

Em conversas com amigos, falamos de vários jogadores que vimos jogar pelos nossos clubes e que estavam claramente num patamar superior. Pelo Benfica vi jogar muitos (Chalana, Ricardo Gomes, João Vieira Pinto, Aimar, Jonas, Di Maria…), mas só um posso categoricamente afirmar que até hoje não vi melhor. E esse é, para mim e para muitos, Michel Preud'homme.


 




Nas sagradas escrituras de Benfica, existe um santo peculiar. Não um reconhecido pelo Vaticano (embora talvez devessem reconsiderar), mas um canonizado pelos fiéis da Catedral da Luz. O seu nome? Saint Michel Preud'homme, o anjo da guarda belga que desceu a Lisboa em 1994, numa altura em que o Benfica estava prestes a entrar na sua hora mais negra.


Enquanto o Porto e o Sporting cresciam na hierarquia dos títulos, Saint Michel fazia milagres que faziam corar os 3 pastorinhos de Fátima. No Vietname, com jogadores para quem terminar em terceiro lugar era uma conquista, lá estava ele, um belga de 35 anos com reflexos só ao nível de um gato dopado com Red Bull, a manter os resultados a um nível respeitável quando o resto era, bem… tudo menos do que respeitável. Mesmo nos jogos em que João Vieira Pinto estava num "dia não", Preud'homme não falhava: o Benfica era quase sempre o Michel e mais 10. Preud'homme caiu rapidamente nas graças dos Benfiquistas, não só pelo seu profissionalismo e regularidade exibicional, mas porque fez questão de aprender a língua portuguesa para poder insultar melhor os companheiros da defesa encarnada. Para quem acha que Trump no poder é assustador, relembro que Preud'homme teve à sua frente nomes como Émerson Thome, King, José Soares, Paulão, Marinho, Ronaldo, Luís Gustavo, Gary Charles, Nélson Morais, Lúcio Wágner, Jorge Soares, Sousa, Steve Harkness ou Bermúdez. Queiram por favor comparar este leque de lendas da defesa encarnada, com os defesas que Bento, Ederson ou Oblak tiveram como companheiros. Ou seja, todos os jogos do Preud'homme eram em modo "Legendary"...


Durante cinco anos, Saint Michel transformou a grande área na sua catedral pessoal. Enquanto a defesa do Benfica se dividia muitas vezes como o Mar Vermelho, ele continuava a ser o nosso Moisés, mas em vez de um cajado, tinha luvas aderentes. O adversário tinha 20 oportunidades claras de golo e, sabe-se lá como, o marcador continuava 1-0. Claro, perdíamos na mesma, mas com a dignidade intacta – e, naquele tempo, a dignidade era a única coisa que nos faltava perder.


Misteriosos são os desígnios de Deus, dizem os crentes. Também os das direcções do Benfica nesses tempos tenebrosos, onde no meio do caos, Saint Michel foi o nosso rochedo, o nosso farol na tempestade, o nosso... enfim, já deu para entender. Ganhou exactamente um título com o Benfica, a Taça de Portugal de 1996, o que para um jogador deste calibre num clube como o Benfica, seria uma desgraça. Mas no contexto do nosso “Vietname”, foi como ganhar a Taça do Mundo, a Liga dos Campeões e o Festival da Eurovisão de uma só vez.


Michel Preud'homme chega ao Benfica depois de um Campeonato do Mundo de grande classe. A Bélgica chega ao Mundial de 94 sem grandes pretensões. O guardião começou a dar nas vistas logo no jogo inaugural contra Marrocos, mas foi no jogo contra os Países Baixos que Preud'homme fez das exibições mais fantásticas da sua carreira, que ficará certamente nos anais dos campeonatos do mundo. Mesmo eliminado nos oitavos-de-final contra a Alemanha, as prestações do belga valeram-lhe vários elogios e prémios: prémio de melhor guarda-redes do Campeonato do Mundo de 1994 (fazendo parte do 11 ideal da competição), melhor guarda-redes na Europa (1994) e melhor guarda-redes no Mundo pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS, 1994). Foi com esse estatuto que chegou ao Benfica. O nosso clube tinha, pela primeira vez, um guarda-redes estrangeiro.





Michel fez 198 jogos oficiais pelo SL Benfica (60º jogador com mais jogos pelo clube na história do Benfica), e sofreu 174 golos. Foi expulso uma vez, e sofreu 5 golos num jogo de má memória em casa contra o FC Porto (1996/97). Com 40 anos, o último jogo de Michel Preud'homme pelo Benfica foi a 10 de Agosto de 1999 no velhinho estádio da Luz, num amigável contra o Bayern de Munique, onde perto de 80.000 espectadores (eu incluído) assistiram à sua despedida dos relvados. Uma noite que era para ser de festa, mas que rapidamente nos trouxe de volta à triste realidade do Vietname quando o guarda-redes que o substituiu – Carlos Bossio – cometeu erro atrás de erro durante os minutos que esteve em campo. Pela primeira vez assisti ao fenómeno "cair da ficha" em massa! Toda uma multidão a aperceber-se, ao mesmo tempo, que o belga já não estaria entre os postes para defender as redes do Benfica, e que o seu substituto tinha sido contratatado na loja dos 300. Ainda hoje há quem diga que a verdadeira razão para Michel Preud'homme se ter retirado em 1999 não foi a idade, ou o cansaço. O problema estava nas suas costas, que já não aguentavam carregar a equipa toda durante mais tempo.



Em dia de homenagem, disse:

«Penso que o Benfica é uma alma e que os adeptos viram que eu dei tudo de mim, do meu corpo, da minha alma, do meu coração, pelo clube. E penso que é por isso que há esta ligação com eles. Ganhei uma Taça de Portugal com o Benfica, só um título para mim é uma desilusão na minha carreira, mas era um tempo difícil para o clube e tive muito trabalho como guarda-redes nesse período. Mas mesmo em tempos difíceis do clube, os adeptos poderam ver que eu tentei ajudar o clube da minha maneira, por isso é que há este reconhecimento. (…) O Benfica ganhou tudo no futebol, e quando um estrangeiro vem aqui cinco anos e recebe este reconhecimento... para mim é uma coisa incrível. Sinto-me em casa quando estou aqui. Ser do Benfica para a gente é como pertencer a uma família. É uma coisa importante da vida quando eu falo no Benfica, a minha experiência em Portugal, mas aqui, tudo se vive com uma paixão incrível. Benfiquista uma vez, Benfiquista para sempre».





Ainda hoje, décadas mais tarde, acredito que os jovens guarda-redes do Benfica são sentados para ouvirem histórias sobre a Grande Muralha Belga do Vietname. Reza a lenda que, em noites calmas no Estádio da Luz, ainda se ouvem os ecos dos avançados adversários a praguejar em várias línguas depois de mais uma defesa impossível.


A ti, Saint Michel, o santo padroeiro das defesas milagrosas, podes ter conquistado apenas um troféu connosco, mas ganhaste algo muito mais valioso – a eterna gratidão de todos os Benfiquistas que viram com admiração como transformaste o nosso Vietname em algo quase suportável. Numa altura em que o Benfica tinha poucos heróis, tu deste o peito às balas (bem, tecnicamente, às bolas) e impediste que o nosso Benfica sofresse horrores bem piores.



Por tudo isto, um muito obrigado, Michel.

 
 

댓글 1개


jc
2월 24일

foi de facto o melhor guarda redes que eu vi jogar no clube, no entanto o melhor jogador de futebol a jogar à baliza esse foi o bento, e mesmo a nível mundial melhor que ele talvez só mesmo outro belga o jean marie pfaff

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